sexta-feira, abril 19, 2024

2 versos de Mário de Sá-Carneiro

«É só de mim que ando delirante -- / Manhã tão forte que me anoiteceu.» Dispersão (1914)

quinta-feira, abril 18, 2024

150 portugueses:

36. Domingos Sequeira (1768-1837). Pintor de transições: de estilos (do neoclassicismo para o romantismo) e de regimes (do absolutismo para o liberalismo, com as Invasões Francesas pelo meio). A pintura doméstica, os retratos familiares -- esplêndido.

37. D. Fernando II (1816-1885). O grande rei consorte, extraordinário na atenção ao património histórico e à arte do seu tempo. Com ele, Portugal ficou menos pobre.

38. Gaspar Corte-Real (c. 1450-1501). O destemor do desconhecido -- ou a coragem de vencer o temor... -- e a condição trágica de uma família desaparecida quase toda nos mares do Atlântico Norte.

39. Henrique Pousão (1859-1884). Único na nossa pintura, país com demasiados génios artísticos precoces na morte: Cesário (seu contemporâneo), António Nobre, Amadeu, António Fragoso, Mário Botas

40. D. João II (1455-1495). Uma das figuras-chave dos Descobrimentos e, principalmente, da expansão; centralizador do poder régio; herdeiro e vingador do avô, D. Pedro, o regente que fora o Infante das Sete Partidas.

3 versos de Fernando Assis Pacheco

«acho tudo belo a Primavera no fim as árvores da praça / adormeceria aqui sentado / repleto com a minha meia idade atordoante»  Siquer Este Refúgio (1976)

quarta-feira, abril 17, 2024

Bob Marley & The Wailers, «Could You Be Loved»

4 versos de Rui Knopfli

«Tudo entre nós foi dito, / olhamos o apodrecer do parque, / o vento, o crepitar leve das folhas / e, sem ressentimentos, dizemos adeus.»  O País dos Outros (1959)

terça-feira, abril 16, 2024

Bob Seger, «Leanin' on My Dream»

2 versos de Sebastião da Gama

«Tão alegre este Sol! Há Deus. (Tivera-O eu negado / antes do Sol, não duvidava agora).»  Pelo Sonho É que Vamos (póst., 1953)

segunda-feira, abril 15, 2024

quadrinhos

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4 versos de José Régio

«Sonhei que ela me espera, adormecida / Desde o começo da vida, / Nua, deitada sobre as tranças de oiro, / Guardada para mim como um tesoiro.» As Encruzilhadas de Deus (1936)

domingo, abril 14, 2024

o lugar dos mitos


Napoleão Bonaparte é uma das poucas personagens de carne e osso que encontra lugar junto dos mitos, de Aquiles ou de Ulisses, ou se quiserem, que poderiam ser heróis da DEC ou da Marvel. Ele, Alexandre o Grande, Júlio César, Carlos Magno, Rodrigo Díaz de Bivar -- El Cid, Afonso de Albuquerque, Francis Drake...  
Incomensurável, megalómano e meteórico, a sua medida é de outra natureza, espécie de herói da DC ou da Marvel no nosso imaginário. É por isso despropositado, creio eu, pedir um quimérico rigor histórico a um filme de Hollywood. É o Napoleão de Ridley Scott e David Scarpa, e será por aí que teremos de o avaliar. 
Vi-o a medo em Novembro, com o «Gladiador» na memória, de que não gostara. Não sendo um filme inesquecível, tem dois desempenhos esplêndidos (Joaquin Phoenix e Vanessa Kirby) e grandes e boas cenas de batalha, das que ficam e põem o filme à beira do filmaço.

3 versos de Alexandre O'Neill

«Se eu não estivesse a dormir / perguntaria aos poetas / A que horas desejam que vos acorde?»  Tempo de Fantasmas (1951) 

sábado, abril 13, 2024

caracteres móveis

«Certa noite, eu erguera-me cauteloso, saíra sem ser ouvido, ia ter com a puta Adelaide que morava no Termo, o outro extremo da aldeia, eu morava no Cabo, que era o oposto.» Vergílio Ferreira, Para Sempre (1983) / «Depois, na madrugada clara, recobrada a lucidez e acalmada a febre, a confiança renascera ao saudar a velha amiga, toda gloriosa e soberana na poeira de oiro das suas ruinas.» Manuel Ribeiro, A Catedral (1920) / «Num e noutro ponto deparavam-se-lhe já algumas casas de tectos de colmo, de cujas inúmeras fendas saía um fumo espesso, que a atmosfera húmida mal deixava elevar nos ares.» Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868)

serviço público

 Viriato Soromenho Marques, «As areias que sopram do futuro».

«California»

4 versos de Cesário Verde

«Quando, se havia lama no caminho, / Eu te levava ao colo sobre a greda, / E o teu corpo nevado como arminho / Pesava menos que um papel de seda...» O Livro de Cesário Verde (póst., 1887)

sexta-feira, abril 12, 2024

John Coltrane Quartet, «Spiral»

1 verso de Mário de Sá-Carneiro

 «--Onde existo, que não existo em mim?» Dispersão (1914)

curtas

«Cá fora, na rua, estava o senhor Joaquim, o dono do macaco e uma data de gente a que os jornais costumavam chamar "populares".» António Alçada Baptista, Uma Vida Melhor (1984)«Ele tirava o chapéu e ela abria a sombrinha sem que se passasse qualquer outra ligação entre eles.» Ruben A., «Branca», Cores (1960) «Quando voltei ao pátio, o velho espremia as mãos e falou-me como se tivesse as maxilas retesadas.» Fernando Namora, «História de um parto», Retalhos da Vida de um Médico (1949)

quinta-feira, abril 11, 2024

150 portugueses: 31-35

31. Salgueiro Maia (1944-1992). O operacional da tomada do poder na Revolução. Idealista e incorruptível, pagou cara a façanha de ser um homem sério num país que não presta. Está nesta lista por todos os militares de Abril.

32. Vasco Gonçalves (1921-2005). O seu nome liga-se a um epifenómeno revolucionário numa país de meias-tintas, bisonho e manhoso: o PREC, também conhecido por gonçalvismo. Um meteoro na História de Portugal, suficientemente incisivo  para lá permanecer.

33. D. Afonso III (1210-1279). Cabeça da oposição ao irmão, destituído pelo papa, Deixou-nos o rectângulo conquistado e um filho chamado Dinis.

34. Bocage (1765-1805). No liceu, foi-me apresentado como um dos poetas do pódio (com Camões e Pessoa). Pré-romântico instável, amoroso fulgurante e fescenino, excessivo e único.

35. D. Carlos I (1863-1908). Um rei "morto como um ladrão a uma esquina de Lisboa" (Raul Brandão). Diplomata, artista, oceanógrafo -- assassinado por uma conspiração em que políticos monárquicos manobraram uns simplórios republicanos exaltados. 

2 versos de Alberto de Lacerda

«O mundo foi alheio e a vida foi comprida / nos seus desenganos de coisa perdida.» 77 Poemas (1955)

quarta-feira, abril 10, 2024

Billie Holiday, «My Man»

7 versos de Fernando Namora

«E na mesma noite    noite boa    noite branca / fumei Estoril    Valetes    Kayakes e bebi Compal / depois da Salus e da Schweppes / fumei quilómetros e quilómetros de prazer / quilómetros e mais quilómetros -- há um Ford no meu futuro -- / mais facturas mais fomes mais prazer / e agora já não sei qual dos cigarros com filtro me soube melhor.» Marketing (1969)

quadrinhos

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terça-feira, abril 09, 2024

3 versos de Antero Abreu

«E era o tempo da fraternidade / Porque cada homem se media pelos outros homens / E não pelas coisas que os envolviam.» Poesia Intermitente (1987)

Eugénio Lisboa (1930-2024)

Estive com ele há poucas semanas. Devo-lhe a generosidade de me prefaciar um livro; devo-lhe mais: o exemplo da liberdade de pensar.

Eugénio Lisboa é um ensaísta arguto, culto e informado, e sendo uma autoridade em José Régio e na presença, foi muito mais que isso: alguém que se deixava encantar pelo talento verdadeiro, e pouco atreito a fazer fretes.

Foi também um temível polemista. Temível, porque tinha uma cultura vasta que lhe servia um espírito crítico acerado; e não tinha medo, não andava aqui para agradar, como sucede com tanto patife e tanto invertebrado.

A sua obra de ensaísta claramente ficará -- para os happy few, expressão que gostava de usar. Tenho especial estima por O Objecto Celebrado (Coimbra, Imprensa da Universidade, 1999), talvez por ser o primeiro que me ofereceu, já eu o admirava há muito. Mas não podemos esquecer o poeta, com grandes momentos, em especial no início, o memorialista e o diarista.

Tenho, há anos, preparada uma antologia de poemas dedicados a Ferreira de Castro, por poetas de várias gerações, começando em João de Barros (1881-1960). No ano passado, num Encontro Castrianos/Regianos, em Vila do Conde, Eugénio Lisboa não pôde estar presente, mas enviou duas óptimas composições, uma sobre José Régio, a outra sobre Ferreira de Castro.

No nosso último encontro, ao fim da manhã de 16 de Março, em S. Pedro do Estoril, dei-lhe nota de que pretendia incluir esse poema na minha antologia, enviando-a depois por mail. A sua resposta, na nossa derradeira conversa, reproduzo-a aqui:

"Caríssimo Ricardo, recebi, li e agradeço a antologia. Tem poemas belos e, toda ela, merece ser retida, até porque reflecte bem a marca de afecto que a obra do escritor suscitou. Para muitos leitores FC ficou como escritor e eterno Amigo. Não é para todos!

Forte abraço do / E.".


Um grande e grato abraço, Eugénio Lisboa!

150 portugueses - 26-30

26. D. João I (1357-1433). De bastardo real, Mestre de Avis, a progenitor da Ínclita Geração e rei que inicia a expansão.

27. D. Luís I (1838-1889). Tradutor (bom) de Shakespeare e mau violoncelista num reinado de normalidade burguesa, guardada estava a catástrofe para o filho.

28. Mafalda de Sabóia (c. 1125 - 1158). Primeira rainha, gerou todos os reis seguintes. É avó de todos nós.

29. Infante D. Pedro (1392-1449). Príncipe ilustrado, o das Sete Partidas, senhor feudal e regente centralizador. Acaba tragicamente, o neto de certa maneira vinga-o.

30. Raposo Tavares (c.1598-c.1659). O mais célebre dos bandeirantes, alentejano que rasgou a fronteira do Brasil para ocidente

segunda-feira, abril 08, 2024

Duke Ellington, «Harlem Air Shaft»

é uma pena

Tenho consideração intelectual por algumas das pessoas ligadas a este projecto, mas, enquanto pai de quatro filhos, avô de um neto, filho de um nonagenário que consigo vive, numa dádiva de amor filial absolutamente natural, tenho pena que uma questão tão importante como a do valor da família esteja submetida a uma perspectiva confessional e ideológica de Direita, misturando alhos com bugalhos. Como se a questão da despenalização do aborto ou a lei da eutanásia estivesse, sequer, a montante... E não fosse a desestruturação provocada pela desregulada sociedade ultracapitalista em que vivemos, que transformou pessoas e cidadãos em consumidores passivos, ignaros, e confusos -- pasto fértil para o trabalho desregulado --, animaizinhos a quem se dá uma panóplia mediática de embrutecimento.

Acho aliás insuportável, como tenho aqui dito tantas vezes, que os patrões dos me(r)dia, que intoxicam a manada com a satisfação dos instintos mais baixos -- reality shows, crime, futebóis, bisbilhotices & outras parvoíces --, sejam os mesmos que preservam as suas famílias (e as suas crianças) do lixo que dejectam na sociedade.  

Podem vir chorar lágrimas de crocodilo, mas quando muitos dos autores que aqui vejo são defensores da mais obscena rapina capitalista, alguns coincidindo com a imposição fanática e intolerante da sua fé -- fé essa que pessoalmente desprezo, quando procura ser imposta aos outros -- faz-me ter pena de não haver, dos lados esquerdo e não-confessional, uma abordagem, sempre crítica, mas que veja a família como a base e o princípio de tudo. Felizes todos os que podem olhar para trás e ter tido a alegria de uma família! 

Ter convidado Passos Coelho, o campeão do troikismo, para fazer a apresentação, fere tudo aquilo de morte. É impossível não olhar para a coisa como uma frente de neocons e beatos. Sem ter lido, posso estar errado, e penitnecio-me; mas pela amostra...

2 versos de Luísa Dacosta

 «Com a noite dos teus olhos / escusava lua e estrelas.» A Maresia e o Sargaço dos Dias (2010)

domingo, abril 07, 2024

Bob Marley, «Pimper's Paradise»

o "logótipo"

Remetamos as coisas às suas dimensões. O logótipo que o actual governo anulou -- e  quanto a mim bem -- não passa disso mesmo: branding. Ou seja: pôr o executivo ao nível so Pingo Doce ou do Novo Banco. Há quem goste. Se não gostar disso é ser-se reaccionário, sê-lo-ei com muito gosto; se é ser patriota, idem. Pobre país em que a esfera armilar, o escudo, os castelos, as quinas (e já agora as cinco chagas de Cristo, que Leitão Amaro, certamente por pudor, não mencionou), é visto, como sucede com Pacheco Pereira, particularmente abstruso, como um piscar de olhos ao Chega.


Por mim, podem chamar-me reaccionário, que é para o lado que durmo melhor. Sempre quero ver é quem, no meio de tanto patrioteirismo ou tanta inclusão (a justificação do anterior governo foi a de que o novo símbolo era mais inclusivo); sempre quero ver quem e como defende o país de ser um joguete ao serviço de interesses de terceiros, como está a acontecer na guerra da Ucrânia, Portugal como um mero peão do imperialismo americano e do seu complexo militar-industrial. Aí é que se quer ver quem é quem. 

2 versos de Mário de Sá-Carneiro

 «O que devemos é saltar na bruma, / Correr no azul à busca da beleza.» Dispersão (1914)

caracteres móveis

«A vida não o corrompera nem o vulgarizara a ponto de o fazer quedar indiferente à beleza rara do espectáculo que, embora diàriamente se repetisse, atingia sempre -- até que as chuvas viessem impregnar o céu da sua fealdade -- grandeza e poesia a que nem a alma bronca do soldadito se mantinha alheia.» Joaquim Paço d'Arcos, Ana Paula (1938)

«E via a cena, via-a com toda a nitidez: ele, ao leme, ela sentada em frente, temerosa, receando que a vela se desprendesse e a arrojasse ao mar; logo, excitada, os seus belos olhos sorrindo pela distracção que, de imprevisto, se lhe oferecia.» Ferreira de Castro, Eternidade (1933)

«Olhou para o casarão engolido no escuro da quinta, apenas visível pela esteira de luz que vinha do quarto do avô quebrar-se na janela da saleta.» Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (1944)

um dos magos da minha infância, o grande Ziraldo (1932-2024)





 

sábado, abril 06, 2024

Joana Amaral Dias, é assim mesmo!

«Queres que o teu filho vá para a guerra da Ucrânia? Queres que a tua filha morra a defender Kiev? E tu? Estás disposto a dar a tua vida sob a batuta de Zelensky? Eu não quero que os meus filhos vão rebentar as entranhas em guerra alguma, mas muito menos nas guerras dos outros. Se alguém entrar por aqui dentro, serei a primeira a levantar-me. Mas cuspir os putos para os açougues dos EUA e para os matadouros de terceiros, não obrigada.» Joana Amaral Dias, «Vai tu» -- aqui

Eva Bernáthová, Karel Ancerl, Concerto para piano #3, de Béla Bartók

3 versos de A. M. Pires Cabral

«Há dias tão descidos ao fundo da furna, / que nem sequer com a minha própria / indulgência posso contar.» Caderneta de Lembranças (2021) 

sexta-feira, abril 05, 2024

Bob Seger, «Teachin' Blues»

2 versos de Cesário Verde

«Grande dama fatal. sempre sozinha, / E com firmeza e música no andar!» O Livro de Cesário Verde (póst. 1887)

curtas

«A notícia correu célere, deu três pancadas nas portas (era assim que corriam as notícias), as putas vieram ver o turista, os chulos quedaram-se, inquietos, a trinta metros, o Franciú pintou os lábios, as gaivotas suspenderam momentaneamente o voo, cristalizadas no ar, e o Pintor aproveitou para fixar na tela o que nunca mais voltaria a acontecer: o homem de preto tirou a harpa do ombro e dedilhou nela sons prateados que deslizaram ao longo da pedra do cais e se espalharam no dorso das ondas, tornando-as mais oleosas.» Dinis Machado, Discurso de Alfredo Marceneiro a Gabriel García Márquez (1984) «Não foi à escola; ao invés, ainda não teria os doze anos, ganhava o pão que comia como paquete da casa Miranda, a mais fidalga da aldeia, com casa apalaçada e vastos domínios em vinha, horta, olival, mata e lameiro.» A. M. Pires Cabral, «O saco», O Diabo Veio ao Enterro (1984) «Nenhum dos parentes ou amigos que emigrassem, se esquecia de lhes descrever os locais onde cada um trabalhava: granjas com estábulos para centenas de vacas, e mencionar as comodidades e gozos que desfrutavam: casas tão confortáveis que não havia uma sem cortinas nas janelas, e restaurantes e dancings onde uma pessoa se divertia até se esquecer de quem era.» Assis Esperança, «O dinheiro», O Dilúvio (1938)

quinta-feira, abril 04, 2024

John Coltrane, «Countdown»

150 portugueses: 21-25

21. Camilo Castelo Branco (1825-1890). Ao cabo de quase novecentos anos, a língua é o maior património dos portugueses; ainda mais do que a sua História, real e mitificada, pois o país pode acabar (nada é eterno), mas a literatura, forjada a partir dessa mesma língua, ficará, mesmo depois de a língua morrer também. Por isso são tão (ou mais, quanto a mim) importantes os grandes escritores (em sentido lato) do que os guerreiros e navegadores que construíram Portugal e a ideia dele. E assim sendo, Camilo, porventura o maior do século XIX (junte-se-lhe Garrett, Herculano, João de Deus, Júlio Dinis, Antero, Oliveira Martins, Eça, Cesário, Fialho e Nobre), é uma presença evidente, por muito exígua que esta lista ainda mais fosse.

22. D. Dinis (1261-1325). Poeta, guerreiro, governante, sexto rei de Portugal, e um dos mais amados.

23. D. Fernando (1345-1383). Nono rei de Portugal, um grande monarca com uma política externa desastrosa. A sua consorte, Leonor Teles (de Meneses), é a mulher mais odiada da nossa história.

24. Garcia de Orta (c. 1501 - 1568). Produto dos Descobrimentos e da expansão imperial, cristão-novo, médico, botânico e farmacêutico. Um dos homens do seu tempo, à escala global.

25. Infante D. Henrique (1394-1460). O mítico Navegador, mas homem bastante prático 

3 versos de Fernando Namora

«Está tudo perfeito e deito-me no conforto de um Lusospuma / a ver as procissões a passar   mesmo sem anjos   mesmo sem anjos / que agora são selvagens e voam numa Harley.» Marketing (1969)

quarta-feira, abril 03, 2024

caracteres móveis

«A ninguém confiava o seu segredo, senão às cartas que enviava a Teresa, longas cartas em que folgava o espírito da tarefa da ciência.» Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (1862)

«Mais adiante passava por eles uma fileira de carros a vergarem sob o peso do mato e atroando os ares com o chiar incómodo das rodas sob o eixo, incómodo para os ouvidos cidadãos de Henrique, cujos nervos se irritavam com ele, mas aparentemente agradabilíssimo para os condutores aldeãos, que ou dormiam ou cantavam com aquele acompanhamento.» Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868)

«Na vigília dessa noite agitada e febril, a Sé surdira-lhe por vezes em pesadelos macabros, como esfinge enigmática, cerrada no seu mistério, hieróglifo colossal que ele olhava aturdido, sem nada compreender, como se tudo se lhe tivesse varrido da mente.» Manuel Ribeiro, A Catedral (1920)

2 versos de Antero Abreu

«Era o tempo da rua despovoada / escorria das paredes o musgo do abandono» Poesia Intermitente (1987)

Billie Holiday, «Blue Moon»

terça-feira, abril 02, 2024

serviço público + nova adenda, a propósito do silenciamento de Pezarat Correia

Ontem, de passagem pela RTP3, enquanto na CNN-Portugal se tratava de futebóis, um lado-a-lado a propósito da situação internacional, suponho que espoletado sobre a questão da reintrodução do Serviço Militar Obrigatório. Frente a frente, dois indivíduos cujas opiniões não se distinguem e particularmente impreparados para uma abordagem da situação geopolítica, que é uma outra coisa bastante diferente das relações internacionais e que lhe corre paralela. A Geopolítica elabora sobre o que existe e pré-existe (a Geografia e a História), concomitantemente às tentativas de acerto através do Direito Internacional. Só vi o fim, mas bastou-me para ouvir Henrique Burnay a dizer asneiras e Almeida Sande a diletar. Hoje, na Rádio Observador, a maior anedota que circula no espaço público, vinda da Academia (estou à rasca para me lembrar do nome do sujeito, tive de recorrer a uma mnemónica para dar com ele, de sua graça Bruno Cardoso Reis), e outro sujeito que dá pelo nome de Francisco Pereira Coutinho, e se põe a falar de questões militares (às vezes porque perguntado pelos patetas dos pivôs) sem pescar o mínimo do assunto. Tirando os militares -- muitos deles com formação suplementar na área da História, do Direito, das Relações Internacionais --, muito poucos são os civis que têm competência para tal. Daí não viria mal ao mundo; mas quando 90% do comentariado é constituído por criaturas destas, a informação que temos é errónea, deturpada e incompetente.

Pertenço ao grupo de pessoas que gosta de elogiar e escrever sobre o que lhe agrada; mas o escândalo da incompetência é tal, a que se junta a propaganda e desinformação que sempre existe, que é impossível ficar calado. 

Muito me tenho lembrado de Pezarat Correia, que durante anos comentou questões de geopolítica na televisão e desde que rebentou a guerra na Ucrânia nunca mais o vi. Então não somos uma sociedade liberal, de expressão livre dos diferentes pontos de vista?... Aqui um seu texto.

2 versos de Fernando Assis Pacheco

«Era de noite e eu pensava / não: era de noite uma outra noite mais antiga do que a narrativa deixa subentender» Siquer Este Refúgio (1976)

segunda-feira, abril 01, 2024

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serviço público (+ adenda)

Carlos Matos Gomes , «O Serviço Militar ao serviço de quem?»

Nota: sem dominar minimamente o tema, acredito que haverá vantagens num Serviço Militar (e Serviço Cívico para os objectores de consciência -- bombeiros, protecção civil, guardas florestais, etc.) obrigatórios, para homens e mulheres, na perspectiva de umas "Forças Armadas" de cidadania. Tal pressuporia cidadãos informados e civicamente instruídos, além de políticos cidadãos, em vez destes profissionais da política, preparados para se venderem, e nos venderem, a quem pode comprar.

Também sou pela paz e pelo desarmamento, mas nunca unilateral.

2 versos de Alberto de Lacerda

«Dia fechado e míope como a cidade que tem / a posse do meu corpo, não da alma.»  77 Poemas (1955) 

serviço público

 Carlos Branco, «As palavras e os factos após dois anos de guerra».

domingo, março 31, 2024

3 versos de Alexandre O'Neill

«Deixa ainda / o que a álgebra mais secreta / decidiu a teu favor.» Tempo de Fantasmas (1951)

«Deep End (Paul’s in Pieces)»

150 portugueses: 16-20

16. Sá de Miranda (1481-1558). Poeta renovador, homem de fibra, "de antes quebrar que torcer".

17. Tomé de Sousa (1503-1579). O primeiro governador-geral do Brasil.

18. Vasco da Gama (1469 - 1524). Um dos nomes míticos de Portugal. A realidade tornará tudo mais complexo.

19. D. Afonso II (1185-1223). Terceiro rei de Portugal.

20- Bartolomeu Dias (c. 1450-1500). O navegador que talvez melhor represente a grande história trágico-marítima.

sábado, março 30, 2024

serviço público

5 versos de Fernando Jorge Fabião

«a mesa do poeta / é frágil como os seixos sem idade / é um campo largo / devastado pelas cinzas / de um vulcão extinto.»  Nascente da Sede (2000)

sexta-feira, março 29, 2024

Duke Ellington, «Jack the Bear»

curtas

«A maré transbordava pelas praias, desenhando uma extensa linha branca, que, desde a Capela do Senhor da Pedra, corria, perdendo-se nos areais de Espinho.» Conde de Sabugosa, «A aliança inglesa», De Braço Dado (1894) «E ao outro dia, ainda impressionado, sentou-se à sua carteira com a janela toda aberta, e olhando o prédio fronteiro, onde viviam aqueles cabelos grandes -- começou a aparar vagarosamente a sua pena de rama.» Eça de Queirós, «Singularidades de uma rapariga loura» (1874), Contos (póst., 1902) «Ela quase murcha ia-se consolando pelo olhar vago e longínquo do estudante vestido de negro --, a capa e batina dava-lhe um tom de luto que muito preocupava a tenra Branquinha.» Ruben A., «Branca», Cores (1960)

quinta-feira, março 28, 2024

150 portugueses: 11-15

 

11. Leonor de Avis (1458-1525). Se calhar, a nossa maior rainha consorte.

12. M. Teixeira-Gomes (1860-1941). Um dos maiores escritores. Único chefe de estado que renunciou ao cargo e mandou as elites do país à fava.

13. Nuno Álvares Pereira (1360-1441). Guerreiro e monge, latifundiário e santo.

14. Passos Manuel (1891-1852). Governante liberal, uma das glórias das esquerdas.

16. Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905). Um génio que nos definiu, com o Zé Povinho

Bob Marley & The Wailers, «Zion Train»

caracteres móveis

«As pálpebras arregaladas, a pele crispada da cara, as sobrancelhas de repente revoltas, tudo isso, qualquer o pode verificar, é que se descompôs pela angústia.» José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira (1996)

«Sobressaltada e deixando a visita com a chávena entre o pires e o lábio peludo, D. Mariana galgou corredor e salas, angustiada por ruim pressentimento.» Álvaro Guerra, Café República (1982)

«Trazia os olhos baixos, a boca travada de ira.» Vergílio Ferreira, Para Sempre (1983)

quarta-feira, março 27, 2024

quadrinhos

fonte

 

150 portugueses: 6-10

6. Filipe I (1527-1598) - Filho de portuguesa, herdou, pagou e conquistou. Foi rei de Portugal, país de que gostava, e também do que ele tinha para acrescentar ao seu vasto império, onde o Sol nunca se punha. A História conhece-o como Filipe II.

7. Gago Coutinho (1869-1959) - Um almirante que ficou para a história como aviador.

8. Henrique I (1512-1580) - De inquisidor-mor a rei.

9. Inês de Castro (c. 1320/25-1355) - Uma galega tornada no maior mito português.

10. Jaime Cortesão (1884-1960) - Historiador-poeta, o maior do século; médico e homem de armas, pela liberdade.

terça-feira, março 26, 2024

Bob Seger, «Lucifer»

entrar com o pé direito

É de pequenos gestos de civilidade que se constrói todos os dias a comunidade. O convite do PSD a António Filipe para presidir à abertura da sessão legislativa é disso um bom exemplo. O mesmo se diga do convite de António Costa a Marcelo para presidir ao último Conselho de Ministros.

150 portugueses (agora é que é - para blogue futuro) 1-5

1. D. Afonso Henriques (1109/11-1185) - Primeiro rei de Portugal e criador dos portugueses.

2. Bartolomeu de Gusmão (1685-1724) - Cientista, sacerdote, personagem de romance.

3. Calouste Gulbenkian (1869-1955) - Mecenas, coleccionador de arte, engenheiro petrolífero.

4. Damião de Góis (1502-1574) - Cronista e diplomata.

5. Eça de Queirós (1845-1900) - Escritor e diplomata.

(recordando os pressupostos)

segunda-feira, março 25, 2024

John Coltrane, «Cousin Mary»

curtas

«Mas à noite estava sentado fumando à janela do seu quarto: era em Julho e a atmosfera estava eléctrica e amorosa: a rabeca de um vizinho gemia uma xácara mourisca, que então sensibilizava, e era de um melodrama; o quarto estava numa penumbra doce e cheia de mistério -- e Macário, que estava em chinelas, começou a lembrar-se daqueles cabelos negros e fortes e daqueles braços que tinham a cor dos mármores pálidos: espreguiçou-se, rolou morbidamente a cabeça pelas costas da cadeira de vime, como os gatos sensíveis que se esfregam, e decidiu bocejando que a sua vida era monótona.» Eça de Queirós, «Singularidades de uma rapariga loura» (1874), Contos (póst. 1902) / «[...] O mundo ficara imperfeito e o homem com uma ânsia de perfeição impossível.» Ferreira de Castro, O Senhor dos Navegantes (1954) / «Quem tomava conta era o senhor Joaquim que recebia cinco tostões por cada burro e tinha direito ao estrume.» António Alçada Baptista, Uma Vida Melhor (1954)

domingo, março 24, 2024

quadrinhos

fonte

 

ucraniana CCXXXVI - o que Nuland sabe, já Putin se esqueceu

Confesso que tive as maiores reservas quando ouvi o comentário do major-general Agostinho Costa, feito em cima do acontecimento, atribuindo à Ucrânia a acção terrorista em Moscovo; este sábado, porém, ouvindo o major-general Carlos Branco, que embora não taxativo, não se eximindo a levantar questões complicadas, começo a ver a coisa com outros olhos. Menos pela circunstância de um dos tadjiques perpetradores do atentado ser um mercenário a combater junto dos ucranianaos, e nem tanto pela informação altamente reveladora de os operacionais terem sido previa e parcialmente pagos para executarem aquela missão (trocando por vil metal as virgens prometidas no Paraíso), mas o facto de Carlos Branco ter recordado -- e eu bem me lembro disso -- que antes de ser despedida, Victoria Nuland, essa conhecida doença venérea americana contraída pela Ucrânia, ter deixado no ar a ameaça de alguma surpresas estarem a ser preparadas para Putin.

Clic! O caso, para mim, mudou de figura, e percebo agora porque razão Putin nem se deu ao trabalho de mencionar as ratazanas do Estado Islâmico. É que o que Nuland aprendeu, já Putin se esqueceu.

sábado, março 23, 2024

serviço público

 Viriato Soromenho Marques, «A Ocidente, uma desolada paisagem».

Billie Holiday, c/ Quarteto de Buddy DeFranco, «All of Me»

caracteres móveis

«Durante um ano, Doninha só deu sinais de vida altas horas da noite, todo nu às grades da cadeia, com aqueles gritos uivados para a vila.» Manuel da Fonseca, Cerromaior (1943)

«E por aqui, por ali, ladeando o ilhéu Chão ou a caminho do Porto Santo, pequenas canoas abriam para o céu a sua asa branca.» Ferreira de Castro, Eternidade (1933)

«Fincou a pá num calhote de dividir as águas e ficou-se à espreita, enrolando um cigarro.» Alves Redol, Gaibéus (1939)

quinta-feira, março 21, 2024

curtas

«A tarde estava quase no fim, uma tarde espessa e abafada.» Fernando Namora, «História de um parto», Retalhos da Vida de um Médico (1949) «Lágrimas, gritos, lenços brancos, e ódio, ódio contra si próprios por haverem ficado, sabiam lá até quando, apegados àquela terra misérrima e àquela vida que criara odiosas raízes:» Assis Esperança, «O dinheiro», O Dilúvio (1938) / «Nasceu quase com o século, filho, como já vimos, de pai incógnito e de uma dessas heróicas mães solteiras, resignada à sua sorte e senhora do brio bastante para criar o filho de cara levantada.» A. M. Pires Cabral, »O saco», O Diabo Veio ao Enterro (1984)

serviço público: abismos que envergonham

Eu não sei se António Costa é sonso, ignorante, leviano, oportunista ou um pouco de tudo isto ao mesmo tempo, após ler as suas declarações transcritas pelo simpático Observador. O vazio, o disparate, a ruminação são impressionantes. Não há nada de novo, todo o palavreado é baço, próprio dum triste catavento. (Uma espécie de Marcelo com arremedos de solenidade).

Que falta de tudo... Nem com o Lula à mão, e já agora com um ramalhete de países africanos e um presidente lusófono Prémio Nobel da Paz, Ramos Horta, que foi também um grande diplomata... A sua indigência estratégica e diplomática é confrangedora (e o que aí vem, também não se anuncia melhor...). 

Sustenta Costa, a certo passo que nem toda a extrema direita é pró-Putin (sim, a pragmática Meloni; o Ventura não conta, por que o Ventura é tudo e o seu contrário, nunca pode ser levado a sério). 

Mas nem toda a esquerda (ou melhor, "esquerda"? -- mas que raio de esquerda  representa o Costa, para além do palavreado inclusivo?); mas nem toda a esquerda alinha com a CIA e o Pentágono.

Viriato Soromenho Marques é um intelectual de esquerda, sabe pensar; e, como não é um polítiqueiro a fazer pela vida, é também uma das vozes (poucas) que se distingue da impreparação e da pobreza conceptual do palavrório, emanadas com mau hálito, aqui no rectângulo e alhures.

Quando lemos Costa, o que vemos? Um tagarela. Ao contrário, leia-se a coluna de Viriato S. M. nos dois números passados do JL, 23-II e 6-III, «A nova catástrofe europeia», e veja-se o que é problematizar para além dos slogans vazios. Mais simples: veja-se o que é ter noção do que se está a passar. 

É fácil estar na Nato e ter uma posição crítica? Claro que não é; por isso, o que deveria haver era grande ponderação e profundidade de análise. Para picaretas, já temos as dianas, os germanos, os isidros, , os poejos, as sónias,  e até o serafim saudade do jornalismo.